A verdade é que passei mais de metade do ano a querer que o ano passasse rápido de tão mau que estava a ser. Tudo de mau me acontecia em catadupa, como se mal viesse à tona uma nova onda me deixasse submersa de novo. Passei mais de metade do ano a fazer um esforço sobre-humano de me manter à tona, de conseguir respirar mesmo que aflita porque, afinal de contas, respirar é um sinal de se estar vivo. Chegou uma altura em que eu pouco me importava com o que acontecia; não é que as coisas não me continuassem a acontecer, mas batiam em mim e voltavam para trás, pouco me atingiam de tanto me bater num escudo que eu sabia agora ser de aço impenetrável. O meu desejo mais ardente de 2014 foi que 2014 se fosse embora. Metade do meu ano foi assim porque, contas feitas: funerais e atmosfera fúnebre a cada 15 dias, más energias no trabalho, excesso de trabalho e ter de me desdobrar em vinte, desilusões, deceções e mais uma panóplia de surpresas e eventos desagradáveis só contribuíram para que eu chegasse ao fim de cada dia a pedir por um sono descansado e que me retemperasse as forças para o novo dia que havia de chegar. Não tive sonos sossegados, antes pelo contrário, e dormi mal a maior parte das noites. Só dormi melhor (não bem) quando o cansaço era maior do que aquilo que o meu corpo protegido por um escudo impenetrável podia suportar. Tive insónias, muitas insónias neste ano tão difícil. 2014 foi um ano emocionalmente difícil, um ano que me tirou forças, que me partiu o coração mais vezes do que aquelas que eu achava que podia suportar.
Foi um ano de partir tudo para reconstruir. E foi assim que eu aprendi a gostar de 2014, não pelas coisas que trouxe, mas pelo bocadinho diferente de pessoa que me tornou. Não vale a pena gastar palavras para contar todas as histórias e todas as peripécias que me foram atiradas. 2014 atirou-me bombas pro colo e a verdade é que grande parte delas explodiu em mim porque sempre me faltou coragem para as atirar para outros e sempre me há-de faltar porque não consigo ser de outra maneira. Passei um ano muito preocupada mas a fazer de conta que nem sequer pensava nisso: com a Minnie, com as patas que lhe falham e com as dores que de vez em quando lhe dão e que me lembram que mais ano menos ano ela não vai estar mais aqui, com o resto da família e os episódios conturbados que foram acontecendo, com o que fazer à vida, com falhar na nova grande aventura em que me meti este ano e que me vai durar mais 2 anos e tal, com os amigos e com uma parte da estrutura que se partiu e que eu tentei segurar a tentar fazer de polvo e chegar lá com os meus oito tentáculos, mas não consegui e, por fim, com ele, que me desgraçou uma maquilhagem acabada de fazer quando me disse que estava todo partido outra vez.
Este ano foi de aprender: a gostar do ano em si, de aceitar o que acontece porque não vale a pena tentar medir forças quando se está claramente em desvantagem, de deixar a poeira assentar e de esperar pelo que vier, sem grandes dramas, sem dar demasiada importância ao que não importa porque, afinal, o que tiver de ser...é. É um cliché e eu detesto clichés e estou prestes a usar outro: confiar na intuição. Nunca nada foi tão certo aplicado a mim. Neste ano, que parece ter sido feito "no corno da cabra", como diria a minha mãe, quando confiei no que intuí, correu tudo bem e da única vez em que deixei a intuição de lado causei um dano em mim mesma que não devia ter causado.
Este ano foi de demasiadas palavras. Irónico que quem sempre gostou de palavras, que trabalha com palavras ache que um ano as tenha tido em demasia, mas isto é fácil de explicar: desvalorizar. O que se diz a alguém é demasiado importante para não ser verdadeiro. Quando se mente, a palavra perde valor, perde brilho. Quantas e quantas vezes eu não vi palavras escritas este ano e pensei "Onde é que eu já ouvi isso antes?". As pessoas e as palavras das pessoas são para valorizar; daí que 2014 me tenha transformado num pedacinho de pessoa diferente, que já deixou de acreditar só em palavras e que as quer acompanhadas de valores nos gestos, nas atitudes e no ser. E é disso que eu gosto em 2014. Hoje vou abrir o envelope lacrado há precisamente 1 ano no livro da Lídia Jorge e tenho ideia que vou descobrir que metade do que lá está escrito não foi cumprido. Vou voltar a arranjar desculpas para o ano ter corrido mal: a lista no livro da Lídia Jorge (mas porquê que eu lá escondi a lista se eu nem sequer gosto da Lídia Jorge - nem do cabelo dela?), o vestido vermelho que usei o ano passado, a cor errada da cueca do Réveillon, as 12 passas que engoli a contragosto (eu nem sequer gosto de passas!)... Mas nada disso tem problema e é preciso ter anos emocionalmente difíceis de gerir para ser mais e ser melhor. (E eu tenho um bom feeling em relação a 2015!) Bom ano novo.
"Não digas nada
a ninguém,
o tempo,agora,
é de poucas palavras,
e de ainda menos sentido."
Manuel António Pina (Cuidados Intensivos, 1994)