sexta-feira, 14 de maio de 2010

Sextas à noite, neste blog, são noites de poesia #1

Flashback

Podia ser aí. Contigo. Com o teu corpo
ainda nu, ou vestido da luz que entra pelas
persianas velhas, trazendo a tremura
das folhas da trepadeira do quintal.

Podia ser de manhã, ou de madrugada,
sabendo que teria de te abraçar para que não
desses pelo frio, com o quarto ainda
húmido da noite, num fim de outono.

Podia não ter sido nunca, se não fossem
assim as coisas: a tua mão ao encontro da
minha, no tampo da mesa, como se fosse
aí que tudo se jogasse, entre duas mãos.



Ausência

Quero dizer-te uma coisa simples: a tua
ausência dói-me. Refiro-me a essa dor que não
magoa, que se limita à alma: mas que não deixa,
por isso, de deixar alguns sinais - um peso
nos olhos, no lugar da tua imagem, e
um vazio nas mãos, como se as tuas mãos lhes
tivessem roubado o tacto. São estas as formas
do amor, podia dizer-te; e acrescentar que
as coisas simples também podem ser
complicadas, quando nos damos conta da
diferença entre o sonho e a realidade. Porém,
é o sonho que me traz a tua memória; e a
realidade aproxima-me de ti, agora que
os dias correm mais depressa, e as palavras
ficam presas numa refracção de instantes,
quando a tua voz me chama de dentro de
mim - e me faz responder-te uma coisa simples,
como dizer que a tua ausência dói.

Nuno Júdice (in Pedro lembrando Inês)

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